domingo, 29 de janeiro de 2012

Do título

É um tanto quando comum que as pessoas iniciem seu blogs justificando seus títulos. Não serei exceção. Segundo o Dicionário Houaiss online, uma das acepções possíveis para escrutínio é "exame que se faz minuciosamente".
Pois é isso que pretendo fazer nesse espaço, mas não só. A ideia é que ele seja um ambiente virtual em que eu possa tentar organizar meus pensamentos a respeito de um determinado assunto, de modo que consiga me posicionar em relação a eles de modo mais consciente. Não é mera análise, mas também um exercício de tomada de posição.
Não quero parecer pretensioso quando crio um blog que grita, implicitamente, que o que penso é digno de ser publicado. Não. Acontece que percebi, ao longo desses últimos meses, que escrever é um bom modo de sistematizar idéias, de organizá-las de uma maneira mais palatável, mais lógica. Também não há a pretensão de que aquilo que é dito aqui seja novidade.
Essa preocupação com a análise das coisas está presente na minha vida há muito tempo. Não sei precisar desde quando. O fato é que fui aprendendo que racionalizar as coisas costuma ser um caminho possível para que não enlouqueçamos no turbilhão de emoções e experiências com que temos contato hora após hora.
Depois, fui percebendo que a gente pode encarar as mesmas coisas por diversas perspectivas.
Um momento em que isso foi bem observável foi quando eu comentei com a dona de minha academia, que deve ter uns 70 anos, que minha memória deixava a desejar e que eu era muito desligado e que por isso tinha dificuldades de lembrar de sacar dinheiro para pagá-la às vezes. Uma queixa relativamente comum, do domínio do lugar-comum, que não costuma chamar muito a atenção de ninguém. Todos escutamos, sobretudo aqueles que convivem com a minha avó, comentários como "a minha cabeça não funciona", "eu não me lembro das coisas que tenho que fazer" e outros similares. Ela me respondeu que o corpo é esperto e que ele apaga da memória coisas que julga menos importante, para que ela não fique sobrecarregada. E eu me senti idiota por ter reclamado da minha memória depois que ela me mostrou toda a expertise do meu corpo. Um tonto.
A questão é que nos acostumamos a considerar possíveis todas essas visões e a dizer que todas elas têm o mesmo valor e que precisamos aprender a conviver com a divergência. E eu não sou louco de discordar disso. Acho que são momentos bem felizes aqueles em que pessoas de religiões distintas conseguem ver que cada credo e prática religiosa é um mesmo caminho para o sagrado. E acho melhor ainda quando todos esses credos não tentam deslegitimar visões como a do ateísmo. Até aí, tudo muito bom, tudo muito bem.
O que me intriga é o pensamento de que esses conjuntos de crenças, por serem considerados meros conjuntos de crenças, são vistos como diferentes visões de mundo que podem conviver pacificamente e que não há motivo para conflito, já que o espaço para que as pessoas tenham seus valores e vivam segundo eles está mais ou menos garantido. Assim, não há porquê católicos acharem ruim que adventistas tenham o hábito de guardarem os sábados. Trata-se tão-somente de uma crença, uma prática religiosa. Da mesma forma, segundo este ponto de vista, o candomblé passa a poder ser praticado e não há nem mesmo muito problema em ele ser exaltado em tantos e tantos sambas.
Mas há uma caroço nesse angu. Um caroção.
Não há consciência de que optar por alguma dessas visões implica consiste necessariamente em uma atitude política e que é no espaço das disputas políticas que o caldo começa a entornar. Liberdade de culto, comportamento e outras tantas mais estão garantidas a todos enquanto estas se circunscrevem a setores mais ou menos definidos. Um casal de lésbicas pode ser tolerado pelos vizinhos do edifício em que mora, sem grandes problemas, afinal cada um sabe de sua vida e o que é feito dentro de casa não diz respeito a mais ninguém. Mas essas meninas, caso acreditem que devem ter direito aos mesmos benefícios de que os casais heterossexuais desfrutam e resolvam lutar por seus direitos, estarão demandando uma decisão que afeta a sociedade em geral e que vai de encontro às visões de muitos outros grupos, sobretudo os religiosos, nesse caso. Sua visão de mundo passa a se chocar com outras dentro do espaço público, que se converte em espaço de dissensão.
Observar esses espaço de discussão significa ter a certeza de que a convivência entre os grupos que compõem nossa sociedade não é e nem pode ser tão harmônica quanto querem fazer com que a gente acredite que ele é. Trata-se do espaço do embate de vozes, da queda de braço, da discussão, dos conflitos de opinião, que nós esperamos que conduzam a uma decisão que deverá ser a melhor possível. Mas nunca é a melhor possível para todos. E o coração se inflama e deixa de acreditar no mito de que as pessoas possam sempre viver em harmonia, mesmo que possuam visões distintas sobre o que é aceitável ou não. Trocando em miúdos, para variar, chega-se à conclusão de que a neutralidade é mesmo abstração.
É daí que vem a idéia de me posicionar frente às coisas de que comentei no início desse texto. Vamos ver no que dá.